domingo, julho 04, 2004

Querida Sophia

Este foi um fim-de-semana cheio de motivos para escrever. Mas há coisas que têm tal importância que ocupam todo o espaço, que devem ocupar o seu lugar de honra. É por isso que, nesta hora de regresso a casa, com muito que ler e recuperar, o meu primeiro pensamento vai para ti, Sophia, que nos deixaste um pouco mais orfãos, nesta pátria da poesia.

I

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Poque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

II

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen - Porque


Sophia de Mello Breyner Andresen por Arpad Szenes