terça-feira, junho 15, 2004

Outubro negro

Eu sei porque fiquei já de pé-atrás com estes incêndios de peuqenas dimensões que têm deflagrado pelo país. Lembro-me bem demais do Verão passado. Não tive bens ou terrenos meus a serem afectados por isso, como algumas pessoas que conheço. Mas lembro-me bem demais.

Lembro-me de ir visitar o meu pai ao hospital no momento em que começou o incêndio da Chamusca. Lembro-me perfeitamente de ver, das janelas do Hospital de Torres Novas, as explosões de fogo a começarem. Viam-se como se estivessem a algumas centenas de metros de nós, colunas de fogo que rebentavam de vez em quando e começavam imediatamente a arder em manchas de árvores enormes.

Lembro-me de, às 7 da tarde, na margem norte do Tejo, ser "noite cerrada", pela nuvem de fumo que cobriu o céu. Lembro-me, porque peguei no carro a essa hora. E precisava dos médios para conseguir circular.

E, finalmente, lembro-me do levantamento que fiz em Vila de Rei, em inícios de Outubro. Uma semana enfiado no meio do mato, à procura de património cultural (arqueológico, etnográfico, arquitectónico) que tivesse sido afectado pelos incêndios. Lembro-me bem demais dos quilómetros negros que percorremos, eu e o Laurent. Das nuvens de pó negro que se levantavam a cada passo. Da cinza que andava constantemente no ar e da quantidade de carvão que trazíamos agarrada às roupas, de tal forma que parecíamos mineiros, às vezes. Lembro-me de imaginar como teria sido, naqueles pontos onde estive, em pleno incêndio. Não consigo sequer imaginar, por mais que me esforce, a realidade é sempre mais cruel que a imaginação.