quarta-feira, dezembro 22, 2004

Indignação vernácula

Diziam-me ontem que este país precisa de uma revolução sexual, acima de tudo. Eu já andava desconfiado, mas minutos depois tive a minha confirmação. Senão, como explicar a montra de boçalidade e ignorância que me surgiu à frente?

Tive ontem oportunidade de ouvir uma conversa entre pessoas mais ou menos da minha idade que, estando a alguns metros de mim, nem por isso deixavam de ser (facilmente) audíveis. Juventude, no máximo dos seus cortes de cabelo, roupas da Zara e ténis coloridos/bota-de-matar-baratas-ao-canto-da-sala consoante o nível de gosto (mau, na maioria dos casos...) e... cérebro atrofiado. A páginas tantas, a conversa desembocou (não no sentido de tirar a boca) no sexo anal. Ora, sabendo que sou uma puta, evidentemente que o assunto me interessava. E é então que tenho oportunidade de vê-lo, ali, Portugal no seu esplendor!

"Isso é coisa de paneleiros!", atirado por uma menina de ar enojado, logo seguido de "Querem comer cus, comam-se uns aos outros!", da amiga do lado. Da parte do sector masculino, a resposta surge sob a forma de uma inquietação "Depois um gajo sai de lá todo coberto de merda!", ao que responde logo o elemento riso-à-Pateta com "Aquilo só dá pica porque é apertado! Iac! Iac! Iac!", sequência mortal que provoca a risada galhofeira do grupo. Recuso-me sequer a descrever o resto da conversa, que entrou em pormenores técnicos com uma ainda maior demonstração de ignorância, a juntar à intolerância já exposta.

E percebo de repente que este país não vai, de facto, a lado nenhum enquanto não se fizer essa revolução - a dos costumes. Da lógica simplória e simplista de observação intolerante do próximo. Da Intolerância demonstrada com orgulho de pretensa virgem ofendida ou de pretenso machão que não quer que a mulher lhe faça um broche à noite para de manhã dar um beijo nos filhos dele. Da ignorância de considerar que o sexo anal é "coisa de paneleiros". Da idiotice de dizer que se prefere um filho drogado a homossexual. Da falta de capacidade para admitir que se leva, na realidade, uma vida sexual tão reprimida e tão hipócrita que se vai à missa de Domingo ainda com cheiro a putas da noite anterior.

É como os vejo, daqui a alguns anos; balofos, carecas, (ainda mais) broncos, a olharem para uma mulher com quem se empandeiraram e que se fartou de couves com feijão todos os dias e partiu para outra sem sequer perceberem porquê. Ou balofas, disformes, de cabelos escandalosamente mal pintados, a assinarem abaixos-assinados contra as meninas que lhes desencaminharam os palonços a quem enganaram com promessas de grandes fodões que nunca passaram de "campanhas de Santana".

E nessa altura, continuarão os nossos filhos a ouvir gritar aos sete ventos que "o sexo anal é coisa de paneleiros"?