Sobre o Dia da Mulher
Quando era pequena, achava o dia da mulher muito importante. Tão importante como o Natal, o dia da Mãe, ou mesmo o dia do meu aniversário. Quer dizer, tão importante como o meu dia de anos não era. No dia da mulher eu não recebia prendas. Não havia festas nem me telefonavam do Alentejo. Não ia ao jardim zoológico (geralmente calhava sempre haver uma visita de estudo no meu dia de anos) nem levava caramelos para a escola. O dia da mulher era um dia normal, com a excepção que nesse dia havia muitos homens na rua a dar rosas e cravos vermelhos às mulheres que passavam. De graça.
Uma vez o meu pai levou uma rosa para casa e deu-a à minha mãe que a meteu na jarra no corredor em frente à porta. Eu achei aquilo um bocado descabido. Se o meu pai lhe queria oferecer flores, que o fizesse como mandava a regra, que comprasse umas doze ou vinte e quatro, como dizia aquela música que a minha mãe gostava de ouvir, e que as trouxesse envoltas num papel aos coraçõezinhos e com um bilhetinho de amor. Mas não. No dia da mulher não era preciso ser assim. Bastava uma rosa.
Foi nesse dia que aprendi a palavra “simbólico”. A rosa era simbólica, diziam eles. Como pôr creme protector mesmo antes de ir para a água, não fazia efeito mas aliviava a consciência. Era simbólico. Só para dizer que se fez, para não irmos dormir a pensar que não lavámos os dentes e que vamos acordar no outro dia com muitas cáries. Então bochechava a boca com água e já estava. Era simbólico.
Quando cresci mais um bocadinho apercebi-me que afinal de contas não significava nada. A rosa. A minha mãe pelo menos nunca lhe ligava grande coisa. E o meu pai também não. Eu, tanto fazia. Não me deixavam ainda receber uma rosa porque ainda não era mulher. Um dia quando fosse grande iria entender. Mas agora ainda não. Mas eu não me preocupava. Estava muito contente por ainda não ser grande e não ter um marido que fosse para a bola aos domingos e não me quisesse levar com ele. Nunca percebi bem porquê. Isso de haverem coisas de homens e coisas de mulheres. Como nunca me terem deixado brincar com carrinhos. Eu que gostava tanto dos carrinhos da Fórmula 1.
Neste dia eu pensava sempre muito. Fazia-me impressão o dia. Essa coisa do simbólico. Do fazer para dizer que se fez, mesmo sem se fazer nada. E eu não gostava nada de pensar (nisso). Eram coisas de adultos. Por isso, ficava muito aliviada quando já era dia nove e eu podia ir para a escola contente sem ter de decidir se era bom ser mulher ou não.