O Património e os tostões
A ministra da Cultura afirmou sexta-feira que o Museu do Côa é uma prioridade deste Governo. Quando se soube quem ocuparia o Ministério da Cultura, muitos foram aqueles que concluíram imediatamente que se assistiria a um desequilíbrio injusto na aplicação de verbas afectas à Cultura na área do Património Cultural, fruto do passado profissional da Ministra. Bom, quanto a isso, gostaria de esclarecer que, mesmo no meio do Património Cultural, esta não é, seguramente, uma figura consensual. Por estar associada à vertente dentro do Património que menos condições reúne para ser considerada como uma disciplina científica mas, sobretudo, por, dentro dessa vertente (falo da Conservação e Restauro), a corrente que a instituição a que presidiu pratica se encontrar enraizada na tradição das artes decorativas. Simultaneamente, a área tem evoluído sobretudo ligada a disciplinas científicas e a métodos de exame e análise, afastando-se, portanto, daquilo que a nova Ministra até há cerca de duas semanas defendeu.
Feita esta introdução, o Museu do Côa merece-me uma outra reflexão. Para quem está de fora desta situação toda, há que recordar, em traços gerais, a história do Vale do Côa. É evidente que já era conhecida a existência das gravuras anteriormente. Mas, quando a re-descoberta é feita, em 1995, aquando dos trabalhos de prospecção encomendados pela EDP, para a construção da barragem, a polémica estala. Durante meses, assistiu-se a um braço de ferro entre o governo de Cavaco Silva e um movimento associativo, liderado por alguns arqueólogos mais aguerridos mas, sobretudo, por grupos de jovens da região de Foz Côa, que conseguem distribuir abaixos-assinados por quase todas as escolas do país, recolhendo milhares de assinaturas contra a construção da barragem. Vêm especialistas estrangeiros, cujas verdareiras motivações ainda são para mim obscuras, dizer que as gravuras não são, como defendiam arqueólogos portugueses, paleolíticas, como se isso fosse justificação suficiente para as destruir.
Com o primeiro Governo PS, cria-se pela primeira vez o Ministério da Cultura e opta-se, numa decisão histórica a nível internacional e representando uma grande vitória do movimento associativo português, por abandonar a construção da barragem e preservar as gravuras. Cria-se, também, o Instituto Português de Arqueologia (área anteriormente tutelada pelo então IPPAAR, depois IPPAR e, inicialmente, pelo IPPC). Na dependência do IPA, surge o Parque Arqueológico do Vale do Côa, o Centro Nacional de Arte Rupestre e uma estrutra de fiscalização com base em delegações regionais, bem como todo um novo sistema legal, com vista à realização exclusiva de intervenções arqueológicas por parte de arqueólogos com formação académica, bem como a um incremento do respeito pelo património arqueológico.
O regresso do PSD ao poder em 2002 representou a oportunidade ideal de vingança por parte de algumas figuras que transitavam ainda do último Governo de Cavaco Silva. No meio da onda de "mudanças estruturais", "reformas" e "choques", o Governo anuncia a fusão do IPA com o IPPAR. Durante dois anos, o IPA vive uma situação "de transição", não se fazendo a menor ideia quando fecharia as suas portas, situação em que vive ainda hoje. Afinal, a referida fusão nunca foi desmentida oficialmente. No meio de tudo isto, a estrutura criada e que em poucos anos tinha demonstrado (com todos os problemas que também tinha) ser ligeira, capaz de cobrir uma interessante parcela do território com poucos recursos e baseada em critérios como a disponibilização de publicações gratuitamente através do seu site, perdeu, pelo menos, grande parte do seu fulgor, devido a esta indefinição prolongada.
Mas o que tem tudo isto a ver com o Museu do Côa? Bom, o facto é que o projecto socialista passava por uma construção encravada na rocha, aproveitando uma das fundações da barragem já construída. Seria, tudo o apontava, uma das grandes obras da arquitectura do fim do século XX português (e europeu), pela sua particularidade. Ao chegar ao poder, o Governo de Durão Barroso abandonou este projecto, tendo sido agora anunciada a escolha final, de um museu implantado numa zona sobranceira à confluência dos rios Côa e Douro. Ou seja, de uma assentada ganhamos uma paisagem ainda mais alterada e afectada pelo Homem e perdemos um edifício inovador, que, ainda para mais, disfarçaria a destruição feita previamente.
Evidentemente que esta nova solução prevê-se que saia (sairá mesmo?) muito mais barata que a anterior. Mas não deixa de ser sintomático que só em questões como a Cultura ou no aceitar de empréstimos de material de combate aos incêndios se veja esta tão grande preocupação em poupar custos.
Epílogo: Após os meses iniciais de polémica em torno da cronologia das gravuras do Vale do Côa, finalmente confirmou-se que as mais antigas datam do Magdalenense, prolongando-se até ao século XX, numa extensão de cerca de 17 km. É, tão somente, dos maiores santuários de arte pré-histórica de ar-livre do mundo, classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 1998. Mas no poupar é que está o ganho, não é?
Feita esta introdução, o Museu do Côa merece-me uma outra reflexão. Para quem está de fora desta situação toda, há que recordar, em traços gerais, a história do Vale do Côa. É evidente que já era conhecida a existência das gravuras anteriormente. Mas, quando a re-descoberta é feita, em 1995, aquando dos trabalhos de prospecção encomendados pela EDP, para a construção da barragem, a polémica estala. Durante meses, assistiu-se a um braço de ferro entre o governo de Cavaco Silva e um movimento associativo, liderado por alguns arqueólogos mais aguerridos mas, sobretudo, por grupos de jovens da região de Foz Côa, que conseguem distribuir abaixos-assinados por quase todas as escolas do país, recolhendo milhares de assinaturas contra a construção da barragem. Vêm especialistas estrangeiros, cujas verdareiras motivações ainda são para mim obscuras, dizer que as gravuras não são, como defendiam arqueólogos portugueses, paleolíticas, como se isso fosse justificação suficiente para as destruir.
Com o primeiro Governo PS, cria-se pela primeira vez o Ministério da Cultura e opta-se, numa decisão histórica a nível internacional e representando uma grande vitória do movimento associativo português, por abandonar a construção da barragem e preservar as gravuras. Cria-se, também, o Instituto Português de Arqueologia (área anteriormente tutelada pelo então IPPAAR, depois IPPAR e, inicialmente, pelo IPPC). Na dependência do IPA, surge o Parque Arqueológico do Vale do Côa, o Centro Nacional de Arte Rupestre e uma estrutra de fiscalização com base em delegações regionais, bem como todo um novo sistema legal, com vista à realização exclusiva de intervenções arqueológicas por parte de arqueólogos com formação académica, bem como a um incremento do respeito pelo património arqueológico.
O regresso do PSD ao poder em 2002 representou a oportunidade ideal de vingança por parte de algumas figuras que transitavam ainda do último Governo de Cavaco Silva. No meio da onda de "mudanças estruturais", "reformas" e "choques", o Governo anuncia a fusão do IPA com o IPPAR. Durante dois anos, o IPA vive uma situação "de transição", não se fazendo a menor ideia quando fecharia as suas portas, situação em que vive ainda hoje. Afinal, a referida fusão nunca foi desmentida oficialmente. No meio de tudo isto, a estrutura criada e que em poucos anos tinha demonstrado (com todos os problemas que também tinha) ser ligeira, capaz de cobrir uma interessante parcela do território com poucos recursos e baseada em critérios como a disponibilização de publicações gratuitamente através do seu site, perdeu, pelo menos, grande parte do seu fulgor, devido a esta indefinição prolongada.
Mas o que tem tudo isto a ver com o Museu do Côa? Bom, o facto é que o projecto socialista passava por uma construção encravada na rocha, aproveitando uma das fundações da barragem já construída. Seria, tudo o apontava, uma das grandes obras da arquitectura do fim do século XX português (e europeu), pela sua particularidade. Ao chegar ao poder, o Governo de Durão Barroso abandonou este projecto, tendo sido agora anunciada a escolha final, de um museu implantado numa zona sobranceira à confluência dos rios Côa e Douro. Ou seja, de uma assentada ganhamos uma paisagem ainda mais alterada e afectada pelo Homem e perdemos um edifício inovador, que, ainda para mais, disfarçaria a destruição feita previamente.
Evidentemente que esta nova solução prevê-se que saia (sairá mesmo?) muito mais barata que a anterior. Mas não deixa de ser sintomático que só em questões como a Cultura ou no aceitar de empréstimos de material de combate aos incêndios se veja esta tão grande preocupação em poupar custos.
Epílogo: Após os meses iniciais de polémica em torno da cronologia das gravuras do Vale do Côa, finalmente confirmou-se que as mais antigas datam do Magdalenense, prolongando-se até ao século XX, numa extensão de cerca de 17 km. É, tão somente, dos maiores santuários de arte pré-histórica de ar-livre do mundo, classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 1998. Mas no poupar é que está o ganho, não é?