quarta-feira, agosto 18, 2004

Partida

Nunca o aspecto gráfico deste blog foi tão adequado. Ainda me parece impossível, que não te volto a ver. Que já não estás aqui. Não que fôssemos os melhores amigos. Mas partilhávamos um espaço especial para os dois por motivos diferentes. Onde nos conhecemos, onde quase sempre nos encontrávamos. Onde conversámos muitas vezes. Podíamos nem nos conhecer assim tão bem. Mas desde o início que foste tu mesmo, um tipo à maneira. A tua energia era invejável, respeitava e respeito o teu empenho. Hoje fiquei ainda a saber que tinhas talento artístico. Amigo dos teus amigos, sempre alegre. Aquilo que poderiam ser clichés, ditos sobre qualquer pessoa que nos deixa, são verdades absolutas no teu caso. Testemunhei-o várias vezes, era o teu comportamento normal. Aí há um mês tivemos uma noite longa de conversa. Acho que foi aí que me apercebi que eras completamente passado. Não podias ter escolhido uma situação discreta, não é?

Mas precisavas ter-te despedido a dizer como gostarias de ir? Neste momento, é fácil pensar que, de alguma forma insondável, já sabias que seria isso mesmo que viria a acontecer...

Estranhamente, hoje ouvi isto depois de muito tempo. E creio ser aquilo que melhor traduz os sentimentos que rodeiam este momento.

Mais uma vida jogada fora
Um coração que já não bate mais, descanse em paz
Sonhos que vão embora, antes da hora
Sonhos que ficam pra trás
Pra onde vai você? Pra onde vai? Pra onde vai o sol quando a noite cai?
E agora? A dor é do tamanho de um prédio
A casa sem ele vai ser um tédio
Não tem remédio, não tem explicação, não tem volta
Os amigos não aceitam, o irmão se revolta
A família não acredita no que aconteceu
Ninguém consegue entender porque o garoto morreu
Tiraram da gente um jovem tão inocente
E a sua avó que era crente hoje tem raiva de Deus
O seu pai ficou mais velho, mais sério e mais triste
E a mãe simplesmente não resiste
Além do filho, perdeu o seu amor pela vida
E a nora agora tem tendências suicidas
E a namoradinha com quem sonhava se casar
Todo mundo toda hora tem vontade de chorar
Quando se lembra dos planos que o garoto fazia
Ele dizia: "Eu quero ser alguém um dia"
Sonhava com o futuro desde menino
Ninguém podia imaginar o seu destino
Mais uma vítima de um mundo violento
Se Deus é justo, então quem fez o julgamento?
Pra onde vai você? Pra onde vai? Pra onde vai o sol quando a noite cai?
Por quê um jovem que vivia sorridente perde a sua vida assim tão de repente?
Logo um cara que adorava viver
Realmente é impossível entender
Nenhuma resposta vai ser capaz de trazer de novo a paz à família do rapaz
Nunca mais suas vidas serão como antes
E eles olham o seu retrato na estante
Aquele brilho no olhar e o jeitão de criança
Agora não passam de uma lembrança
E a esperança de que ele esteja bem, seja onde for, não diminui o vazio que ele deixou
É insuportável quando chega o seu aniversário
E as suas roupas no armário parecem esperar que ele volte de surpresa
Pra ocupar o seu lugar vazio à mesa
A tristeza às vezes é tão forte que é mais fácil fingir que não houve morte
Porque sempre que ele chega pra matar as saudades
Ele vem com aquela cara de felicidade
Alegrando os sonhos e querendo dizer que a sua alma nunca vai envelhecer
E que sofrer não é a solução
É melhor manter uma chama acesa no coração
E a certeza na mente de que um dia se encontrarão novamente.
Pra onde vai você? Pra onde vai? Pra onde vai o sol quando a noite cai?

Gabriel, o Pensador - Pra onde vai