Ao longo dos meses, tenho vindo a referir-me de quando em vez à questão do processo de colocação de professores. Hoje que, pela primeira vez, o Ministério da Educação assume a sua total incapacidade para, através do sistema informático pelo qual pagou (dizem que 600 mil euros) dar conclusão ao processo, é escolhida uma solução que já centenas, senão milhares, de pessoas alvitraram ao longo dos últimos meses: a colocação de professores será feita de forma manual. Ou seja, volta-se ao anterior método.
Neste processo, há toda uma série de questões que são demasiado grosseiras para passarem em branco. Sejamos claros: o processo de colocação de professores pertence à esfera dos automatismos de Estado. É um processo que, por ser anual, deve estar de tal forma automatizado que não surjam problemas ou erros. Sabemos que isto é, na prática, impossível. O erro é uma componente indissociável de um processo com a dimensão deste. Pode (e deve), no entanto, ser minimizado. Aquilo que se verificou ao longo deste processo foi exactamente o contrário, tornando-se o erro na regra e a exactidão na excepção.
Por outro lado, é no mínimo de uma irresponsabilidade grosseira a tentativa de implantação de um novo sistema sem se proceder a testes. Porque é que esta aplicação informática não foi utilizada paralelamente ao sistema manual, de modo a comparar resultados e resolver eventuais falhas (que se vieram a mostrar tudo menos eventuais)? Porque é que se insistiu na introdução deste método, sem que se fizessem um, dois anos de teste? Será porque, acabando com os mini-concursos, se promove durante mais tempo o desemprego entre os professores, tornando necessário que esta medida fosse tomada em início de mandato, de modo a precaver eventuais resultados "impopulares"? Realmente, será mais fácil arriscar em início de mandato, "encobrindo" a situação no final do mesmo, com meia-dúzia de medidas populares/istas.
Esta aventura em que o Ministério da Educação embarcou é longa. O ano passado, foram alteradas as regras, acabou-se com os chamados mini-concursos e aquilo que se viu foi um número elevado de professores desempregados até mais tarde no ano lectivo, ao fim e ao cabo, a promoção das políticas de "mobilidade e flexibilidade" que tão caras são a esta direita, seguidora fiel dos ensinamentos neo-liberais transatlânticos. Este ano, introduz-se um sistema informático comprado a uma empresa dirigida por um ex-ministro PSD e um ex-dirigente do partido. Desde Maio que todo este processo tem vindo, sistematicamente, a falhar. Desde Maio que os responsáveis políticos deste país na área da Educação se furtam às suas responsabilidades civis e, sobretudo, morais, ao afirmarem repetidas vezes ao país que tudo se iria resolver, que tudo decorria dentro da normalidade. Na realidade, estes governantes mentiram ao país desde Maio até ao falhanço que foi a abertura do ano lectivo (na realidade, até depois, quando se tentou escamotear o pântano que foi esse dia).
Mas algo que me é completamente bizarro é a aparente condescendência por parte da comunicação social para com a anterior equipa do Ministério da Educação. Mas onde andam o ex-Ministro David Justino e o ex-Secretário de Estado Abílio Morgado? Andam foragidos? Escondidos, com vergonha de sair à rua? Sim, porque este processo foi magicado, decidido e conduzido durante a governação destes dois indivíduos. Não foi a actual Ministra da Educação quem decidiu a implantação desta nova metodologia e muito menos da aquisição da malfadada aplicação informática. Foi, isso sim, o anterior executivo. Que Maria do Carmo Seabra tenha sido engolida pelo actual processo e que seja também da sua responsabilidade o arrastar (ainda maior) deste processo, não tenho dúvidas. Que seja a sua cabeça que deva ser pedida, discordo em absoluto. Caso houvesse dignidade, justiça e valores morais (algo que costuma ser tão caro ao discurso de direita), David Justino e Abílio Morgado já teriam vindo a público explicar aos contribuintes que financiaram os tais 600 mil euros porque é que o seu investimento foi um redondo fracasso. Ou, no mínimo, assumir responsabilidades. Ah, mas esquecia-me, saíram providencialmente do governo cerca de dois meses antes de todo este inferno! Na prática, passaram a "batata quente" para quem a quisesse apanhar! Mas em termos de dignidade, as últimas declarações que transcrevi dessa criatura que (para mal de todos os portugueses) ocupou a pasta da Educação durante dois anos são esclarecedoras. Não basta ser responsável por um dos maiores exemplos de irresponsabilidade e incompetência govenativas de que me lembro, ainda é preciso escarnecer daqueles que são afectados pelo seu autismo como governante!
E agora pergunto, onde é que estão os sindicatos e a FENPROF no meio disto tudo? As Associações de Pais? As Associações de Estudantes deste país? A comentar a situação, a exigir explicações, revoltadas com tudo o que se passa. Mas onde está a acção concertada? Não será tudo isto a que assistimos matéria suficiente para procurar levar os (verdadeiros) responsáveis por esta situação a tribunal? Não foi Leonor Beleza julgada no caso dos hemofílicos? Porque não podem David Justino e Abílio Morgado ser levados a tribunal? Ou porque não ouço eu ninguém a propôr este tipo de solução?